O art. 52 do PL 4253 trata do controle prévio de legalidade do processo licitatório pelo órgão de Assessoramento jurídico da Administração.
Aqui, distintamente do art. 38, parágrafo único da Lei 8666/91, o legislador não exige apenas a apreciação do edital e anexos, mas de todo o processo licitatório e os atos praticados na fase preparatória. Além disso, a lei também exige o controle prévio de legalidade de de contratações diretas, acordos, termos de cooperação, convênios, ajustes, adesões a atas de registro de preços, outros instrumentos congêneres e de seus termos aditivos.
Tal controle é feito, conforme exigência legal, pela assessoria jurídica do órgão ou entidade, ocupada, em sua grande maioria, por advogados públicos, cujo reconhecimento de importância da atuação para segurança das decisões e fundamentações do gestor vem reconhecida na Constituição Federal (art. 131).
No âmbito do processo licitatório, o controle preventivo de legalidade é exercido por meio da emissão de parecer jurídico. Via de regra, o parecer é obrigatório quanto à sua presença, uma vez que é permitido pelo § 5º do artigo 52 que a autoridade jurídica máxima competente dispense a análise jurídica em razão de baixo valor, baixa complexidade da contratação, entrega imediata do bem ou utilização de minutas padronizadas. Por outro lado, o parecer jurídico não é vinculante, podendo “ser motivadamente rejeitado pela autoridade máxima do órgão ou entidade”, quando “desaprovar a continuidade da contratação, no todo ou em parte (...)”,“hipótese em que esta passará a responder pessoal e exclusivamente pelas irregularidades que, em razão desse fato, lhe forem eventualmente imputadas” (§ 2º). Neste caso, a responsabilidade da autoridade competente é exclusiva, por praticar o ato administrativo em discordância do parecer da assessoria jurídica.
Na hipótese da aprovação de minutas padronizadas pelas assessorias jurídicas (art. 25, §1º), o Plenário do TCU (Acórdão 1504/2015) define quais seriam as responsabilidades tanto do parecerista quanto do agente público:
“(...) ao aprovar minutas-padrão de editais e contratos, a assessoria jurídica mantém sua responsabilidade normativa sobre procedimentos licitatórios em que tenham sido utilizadas. Ao gestor caberá a responsabilidade da verificação da conformidade entre a licitação que pretende realizar e a minuta-padrão previamente examinada e aprovada pela assessoria jurídica. Por prudência, havendo dúvida da perfeita identidade, deve-se requerer a manifestação da assessoria jurídica, em vista das peculiaridades de cada caso concreto.”
Boa parte da doutrina coaduna com a interpretação de que o parecer, de fato, não teria natureza vinculante, já que se trata de uma opinião jurídica emitida por um operador do Direito e tem a função tão somente de orientar o Administrador na tomada da decisão. O parecer, portanto, é uma atividade técnica ou material da Administração Pública.
Portanto, funcionam como instrumentos de controle preventivo de juridicidade e de orientação de interpretação para alinhavar condutas internas, iluminando e aconselhando o órgão da Administração que decidirá sobre um determinado assunto, não constituindo, decerto, ato decisório.
No papel de consultoria e assessoria jurídica, o advogado público exerce função preventiva e de auxiliar do gestor no controle interno de legalidade dos seus atos. O advogado público não atua com conveniência e oportunidade, nem participa, em princípio, da tomada de decisão administrativa, competindo-lhe recomendar as providências necessárias e apontar os meios viáveis para a prática dos atos pelos administradores.
As autoridades socorrem-se da advocacia pública para assegurar-se de que o ato administrativo seja praticado dentro da legalidade (função auxiliar) e, assim, ressalvar a sua responsabilidade (função preventiva).
Na produção de suas peças, os assessores jurídicos devem estar atentos à linguagem utilizada, sendo, na medida do possível, objetivos nas suas exposições e recomendações, tendo em vista que o parecer muitas vezes é dirigido a gestores que possuem pouco ou nenhum conhecimento jurídico.
Uma outra preocupação que deve existir, conquanto não se trate o parecer de um ato decisório, é da atuação zelosa dos assessores jurídicos na elaboração de pareceres, por meio de uma avaliação ampla de todas as características e circunstâncias pertinentes ao cenário examinado, assim como expor ao gestor o cenário existente, o exame jurídico respectivo (normas, doutrina e jurisprudência) e a orientação pertinente e devidamente embasada, em razão do poder persuasivo que poderá exercer sobre os tomadores de decisão.
Por conta disso, a nova lei de licitações (art. 52, § 1º) traz expressamente recomendações neste sentido ao assessor jurídico do órgão:
I – apreciar o processo licitatório conforme critérios objetivos prévios de atribuição de prioridade;
II – redigir sua manifestação em linguagem simples e compreensível e de forma clara e objetiva, com apreciação de todos os elementos indispensáveis à contratação e com exposição dos pressupostos de fato e de direito levados em consideração na análise jurídica;
III – dar especial atenção à conclusão, que deverá ser apartada da fundamentação, ter uniformidade com os seus entendimentos prévios, ser apresentada em tópicos, com orientações específicas para cada recomendação, a fim de permitir à autoridade consulente sua fácil compreensão e atendimento, e, se constatada ilegalidade, apresentar posicionamento conclusivo quanto à impossibilidade de continuidade da contratação nos termos analisados, com sugestão de medidas que possam ser adotadas para adequá-la à legislação aplicável.
Muito embora o parecer seja não vinculante, o § 6º do art. 52 aponta que o membro da advocacia pública será civil e regressivamente responsável quando agir com dolo ou fraude na elaboração do parecer jurídico de que trata este artigo.
O projeto original da nova lei aprovado na Câmara dos Deputados (PL 1292/95) admitia também a responsabilização do parecerista por “erro grosseiro”, contudo o Senado Federal (PL 4253/2020) excluiu da redação original tal possibilidade, mantendo apenas as hipóteses de dolo ou fraude.
Ainda na vigência da lei de licitações anterior o Supremo Tribunal Federal (MS 35.196/DF), assim como o Tribunal de Contas da União (Acórdão n.º 362/18) haviam decidido que o ato de emissão de parecer jurídico poderia levar à responsabilização do parecerista, quando, por dolo, culpa ou erro grosseiro, o parecer induzir o administrador público à prática de ato grave irregular ou ilegal, conjugado com a obrigação de decidir do gestor à luz do parecer vinculante, com efetiva partilha do poder decisório.
A hipótese de erro grosseiro para o TCU (Acórdão 13.375/2020) dar-se-ia em casos de “parecer jurídico que não esteja fundamentado em razoável interpretação da lei, contenha grave ofensa à ordem pública, ou, deixe de considerar jurisprudência pacificada pode, em tese, ensejar a responsabilização de seu autor se o ato concorrer para eventual irregularidade praticada pelo gestor que nele se embasou”.
Alguns problemas podem ser visualizados no posicionamento do TCU. O primeiro deles diz respeito à definição de erro grosseiro adotada, a qual inclui, dentre as falhas do parecerista, não acompanhar jurisprudência pacificada no TCU. Isto porque, à exceção dos enunciados de súmulas, não existe, na prática, jurisprudência pacificada no TCU. E mesmo os enunciados não têm caráter abstrato e normativamente vinculante, haja vista que as decisões daquela Corte são tomadas para casos concretos. De mais a mais, vincular o assessor a esta ou aquela posição jurídica vai de encontro à autonomia que é própria dos advogados na sua atuação profissional, não sendo diferente quando se tratar de advogado público. Não se pode considerar defeituoso, do ponto de vista técnico, o parecer que albergar divergências axiológicas ou escolhas jurídicas diferentes de determinada doutrina ou jurisprudência, desde que a opinião proferida esteja devidamente embasada do ponto de vista jurídico.
Outro óbice reside no fato de que com essa decisão, o TCU acabou tomando para si papel que à princípio é próprio das procuradorias, como órgãos uniformizadores do entendimento jurídico aplicável aos órgãos e entes representados pelos advogados públicos atuantes nas assessorias e consultorias jurídicas. Demais disso, ao decidir a respeito, aquela Corte de Contas atribuiu aos advogados públicos uma responsabilização ampla e discricionária, baseada em conceitos jurídicos indeterminados e fórmulas semanticamente vagas, em evidente prejuízo à segurança jurídica e à independência técnica do advogado público e visível ofensa tanto à Lei Federal n.º 13.327, de 29 de julho de 2016, como ao Estatuto da Advocacia no Brasil, Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994 e à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB (Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942).
A Lei Federal n.º 13.327, de 29 de julho de 2016, ao tratar das carreiras jurídicas no âmbito público, estabelece a impossibilidade de responsabilização dos advogados públicos no exercício de suas funções, salvo pelos respectivos órgãos correicionais ou disciplinares, ressalvadas as hipóteses de dolo ou de fraude. (art. 38, §2º). No mesmo sentido, o artigo. 28 da LINDB ressalva a responsabilidade pessoal de parecerista público.
O Estatuto da Advocacia no Brasil, Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994, por seu turno, ressalta, no artigo 32, que o advogado possui responsabilidade “pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa”.
O STF, por outro lado, embora tenha mencionado, na decisão do MS 35.196/DF, hipótese do erro grosseiro, fez questão de frisar o perigo de teses que imponham ao parecerista responsabilidade ampla pela opinião proferida:
"Atribuir responsabilidade integral ao parecerista pode acarretar dois reveses ao funcionamento da Administração Pública. Em primeiro lugar, o parecerista estaria menos propenso a trazer teses inovadoras, ainda que razoáveis, das quais poderia advir soluções mais adequadas ao interesse público in concreto. Em vez de viabilizar políticas públicas, o advogado público se tornaria um mero burocrata, atando-se a procedimentos mais longos, difíceis e custosos. Esse engessamento não corresponde a um retorno em moralidade pública, mas em ineficiência."
Em segundo lugar, a responsabilização plena dos advogados públicos por suas opiniões jurídicas ocasionaria a assunção, por estes, da função de administradores. No entanto, a cognição do parecerista é distinta daquela do administrador. Devido ao caráter eminentemente técnico-jurídico da função, a assessoria jurídica da Administração dispõe das minutas tão somente no formato que lhes são demandadas pelo administrador. A assimetria informacional impõe que a responsabilidade do parecerista seja proporcional ao seu real poder de decisão na formação do ato administrativo.
Em outro julgado, a Corte Constitucional do país (MS 35.196/DF) já assentou o papel relevante do advogado na administração da justiça e, por conseguinte, a inviolabilidade do mesmo por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos termos do art. 133, da CF/88:
"(...) a proclamação constitucional da inviolabilidade do Advogado, por seus atos e manifestações no exercício da profissão, traduz significativa garantia do exercício pleno dos relevantes encargos cometidos pela ordem jurídica a esse indispensável operador do direito”.
Por tudo isso, entendemos que andou bem o legislador ao limitar, no art. 52, § 6º, a responsabilidade do parecerista aos casos de dolo ou fraude.
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